O Observatório Popular de Direitos Humanos, iniciativa da sociedade civil,
onstituído por mais de 34 organizações, grupos, coletivas e coletivos que atuam na defesa e promoção dos direitos humanos no Estado de Pernambuco, vem por meio desta, repudiar as ameaças sofridas por lideranças do povo indígena Pankararu Brejo dos Padres/PE e requerer providências por parte dos órgãos e autoridades responsáveis.
É sabido que a realidade histórica dos povos indígenas é de resistência frente a
inúmeras formas de violações de seus direitos e atualmente estas violências ganham um reforço adicional: o discurso de ódio, diuturnamente reverberado pelo governo federal em face dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, encontrando eco na espiral de violência das disputas de Terra do Sertão e do Estado.
ver mais em:
>> Comissão Pastoral da Terra Nordeste II. Denúncias de ameaças de morte a agricultores no Engenho Batateiras, em Maraial (PE). Disponível em:
>> Comissão Pastoral da Terra Nordeste II. MARCADOS PARA MORRER. Disponível em:
A etnia Pankararu tem a segunda maior população indígena no Estado de Pernambuco, com mais de 8.000 pessoas, distribuídas principalmente em duas Terras Indígenas (TI): a TI Entre Serras e a TI Pankararu, localizadas nos municípios de Petrolândia, Tacaratu e Jatobá. A Terra Indígena Pankararu, homologada pelo Decreto 94.603 de 14.07.1987, possui 8.100 ha e a Terra Indígena Entre Serras, homologada por decreto de 19.12.2006, com 7.750 ha. Registros históricos constatam a presença desse povo indígena na região pelo menos desde o século XVIII.
Ocorreu na década de 1940 a primeira demarcação territorial executada pelo então Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Todavia, a demarcação territorial é abaixo do requerido pelo povo indígena, bem como, mesmo com o usufruto exclusivo de seu território garantido pela Constituição da República - CRFB/88 -, o povo Pankararu nunca gozou da posse plena e pacífica deste, em vistas, por exemplo, à presença de posseiros não-indígenas na área. Histórias e lembranças dolorosas de perseguição, tortura, massacre, assassinatos, violência sexual e trabalho escravo fazem parte da realidade Pankararu desde a ocupação de seu território por não indígenas.
ver mais em:
>> Lara Erendira de Andrade. Opinião | Pankararus terão que esperar mais para ter o território regularizado.
>> Tronco Velho Pankararu. PGTA - TI PANKARARU - Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena Pankararu - BRA/13/019 - Implementação do PNGATI - Discutindo a gestão de TI Pankararu para o etnozoneamento e manejo sustentável do Croá. Aldeia Brejo dos Padres - Tacaratu/PE. Julho/2017.
Em 14 de fevereiro de 2017, a 38ª Vara da Justiça Federal de Serra Talhada
determinou reiterou decisão de 2003 pela retirada dos posseiros da terra indígena, isto é, para que se executasse a desintrusão do território tradicional Pankararu. Após mais de 25 anos buscando a conquista jurídica de seu direito ao território, em 19 de junho de 2018, o Tribunal Regional Federal da 5a Região proferiu acórdão reconhecendo o direito do Povo Pankararu, bem como ordenando a imediata desintrusão das terras originárias, ratificando, portanto, as decisões do primeiro grau. Contudo, a série de violências e ameaças continuaram contra o povo indígena, mesmo após a decisão do Tribunal e até em represália à esta: retaliação ao ônibus dos indígenas na volta do julgamento no TRF 5ª Região, incêndios e depredações de duas escolas, casas, de um posto de saúde da família e uma Igreja, obstrução do processo de desintrusão, desrespeito às ordens judiciais, destruição da adutora que fornecia água à TI10, corte de árvores e arames,invasão de gado no territórios, além de várias ameaças às lideranças e ao bem-estar da população.
Como exemplo de fato marcante, no dia 29/10/2018, a Comunidade do Bem Querer de Baixo acordou com sua Escola Municipal incendiada e com o Posto de Saúde da Família - PSF - depredado; esses acontecimento foram a efetivação de antigas ameaças feitas aos indígenas naquela região. No d ia 29 de julho de 2020, uma das entradas da comunidade amanheceu com a seguinte placa:
Esse fato recente, infelizmente, é mais um dentre vários outros cometidos contra o povo indígena Pankararu Brejo dos Padres/PE, que em 2018 publicou nota sobre a escalada das violências em meio ao processo de desintrusão de seu território tradicional:
A terra Pankararu foi demarcada em 1940 e homologada em 1987.
São mais de 70 anos de luta judicial para que os Pankararu tenham posse
total do seu território de 14.294 ha. Em 1993, a Justiça Federal determinou
que FUNAI, INCRA e União fizessem um levantamento e devida
indenização àqueles ocupantes não indígenas do território. Estes recorreram
da decisão e o povo Pankararu teve ganho de causa em todas as instâncias
por onde o processo passou.
Em 2017, após novo julgamento, foi determinado que os posseiros
teriam 12 meses para desocupar o território de forma voluntária e gradativa
a cada três meses. Não cumprida a desocupação, em 2018 uma nova
manobra para adiar a decisão judicial de desocupação foi gerada por um
agravo de instrumento onde foi julgado no dia 19 de junho no TRF5 em
Recife e, novamente, dando ganho de causa aos Pankararu. Foi determinada
a saída dos não indígenas num prazo de três meses e terminado esse prazo, a
força policial seria acionada para desocupação.
Desta forma, no dia 13 de Setembro, o povo Pankararu amanhece
com a Polícia Federal e Militar, numa força tarefa dentro de seu território,
executando parte da desintrusão, atingindo líderes do movimento que
incentivava desrespeito à ordem judicial. Na execução, foi encontrado
resistência por parte dos posseiros, havendo truculência, ataques aos
policiais a pedradas; difamações em redes sociais tentando pôr a opinião
pública contra o povo Pankararu com discursos de ódio e preconceito, como
afirmando que índios são “vagabundos”, e os culpando indiretamente pela
violência policial acometida as famílias, crianças e idosos, não indígenas.
O povo Pankararu lamenta a desintrusão estar acontecendo desta
forma, reiterando que a melhor saída para todos os lados é a partir do
diálogo, que foi tentado durante décadas. Também afirmamos que em
momento nenhum buscaram nenhum tipo de violência como alternativa para
a resolução, muito menos a violência policial. E esta última é fruto do
desacato e do avanço dos não-indígenas frente a força policial.
Nesse momento pedimos 1) apoio de todos para esse momento
histórico tendo em vista que o povo Pankararu está sofrendo com
difamações e preconceitos de todas as formas; 2)solicitamos investigação e
reforço do estado para garantir a integridade física dos Pankararu e suas
lideranças que neste momento sofre diversas ameaças; 3) pedimos ao Estado
que os não indígenas sejam retirados e realizados para um novo local forma
pacífica; 4) que todos aqueles que difamaram e chamaram, de forma
preconceituosa, todo o Povo Pankararu de preguiçosos e vagabundos
respondam judicialmente por preconceito e racismo.
Lideranças do Povo Pankararu"
Conforme relata a comunidade, existem também outras ameaças ao povo, como a ameaça de envenenamento das águas que abastecem a comunidade, sendo, portanto, imprescindível medidas de proteção e defesa das lideranças e do povo Pankararu, pois, permanece toda aquela população sob risco de vida. O clima de insegurança é imperioso nas aldeias, mesmo com dez lideranças do povo Pankararu já incluídos no Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Estado de Pernambuco - PEPDDH -, dentre esses que já estão sob proteção, quatro estão listados na lista dos "marcados para morrer".
Portanto, mais do que nunca faz-se necessária a atuação efetiva dos órgãos competentes e responsáveis, em vistas a prevenir novas violações de direitos e mortes, de modo que cumpram imediatamente seus deveres institucionais para a proteção das Lideranças Indígenas e respectivas comunidades, pelo fim da violência, na garantia da Justiça e pela Paz no Território tradicional Pankararu.
Assim, o Observatório Popular de Direitos Humanos - OPDH - repudia as ameaças perpetradas no último dia 29 de julho de 2020 contra lideranças do povo indígena Pankararu
e requer, desta forma, que seja assegurada imediata tomada de providência, rotulando-se a
Fundação Nacional do Índio – FUNAI, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, Ministério Público Federal/MPF, Defensoria Pública da União, Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco e a Polícia Federal – PF, a imperiosa necessidade abertura dos
procedimentos competentes que investiguem todas as violações relatadas, responsabilizando pelas ações perpetradas, bem como garantindo a reparação suficiente para o povo indígena Pankararu.
Recife, 18 de agosto de 2020
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